Meu primeiro contato com a morte
- Edis Henrique Peres
- 30 de abr. de 2019
- 1 min de leitura

O último quarto do corredor era o dela. A cama ornamentada com arabescos e o cheiro de urina e doença que nos recebiam logo ao primeiro passo no recinto. Um odor que exalava das circunstâncias. A pele estava sempre áspera e frágil, a mesma textura de folhas quando secam e morrem. Às vezes ainda sorria, mesmo que a felicidade que se pontuasse não fosse genuína.
Em determinado almoço de família pediu-me que preparasse uma comida diferente. Fritei o omelete e dei garfo a garfo em sua boca. Havia agradecimento no olhar cansado.
Nas manhãs a levávamos para o banho. O fêmur estava quebrado e era doloroso todo o percurso sem jeito de ser carregada nos braços. A nudez envergonhava-a, até haver a aceitação cruel de se acostumar com uma situação que não teria melhora.
Pelos cantos, ouvindo a conversa dos outros tios, certas palavras me assombravam: aquele desejo que vez por outra surgia de se chegar ao fim. Mesmo na afeição se deseja a morte, pois é preferível o sossego. E isso seria humano? Esses comentários contidos, entrecortados, revelam-se diante de meus olhos com uma obscuridade que eu temia um dia nascer em mim.
Depois veio o enterro. Quem a arrumou não teve zelo, pois os cabelos despenteados não condiziam com sua vaidade. A roupa que a vestiram não era a que mais gostava. E em muitos, no lugar de lágrimas, só havia alívio.
Voltei para casa, com a borbulha fervendo no peito. Na manhã seguinte, quando levantei e caminhei pelo corredor, parei na porta aberta: o último quarto estava vazio.
ความคิดเห็น